A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem que se fundamenta na ideia de que as crenças e os pensamentos dos indivíduos são fatores determinantes para a forma como eles se comportam e se sentem. Sendo assim, essa psicoterapia — que se volta para o momento presente, sendo sensível, estruturada, integrativa e empática ao mesmo tempo — baseia-se na premissa de que as pessoas experienciam comportamentos e emoções devido à maneira como elas interpretam o que acontece à sua volta.
Logo, quando essa interpretação é trabalhada, modificando a percepção que se tem das coisas, é possível que os sentimentos mudem e, como consequência direta, que as condutas também sejam transformadas. No entanto, a grande questão reside no fato de que boa parte dos pensamentos são “intrusivos”, automáticos.
Ou seja, nem sempre os pacientes percebem o que realmente estão pensamento e, comumente, isso provoca conclusões bastante equivocadas. Assim, vamos à pergunta-chave: como os psicólogos podem ajudá-los a deixar esse modo “piloto automático”? Um dos recursos mais utilizados é o registro de pensamentos disfuncionais, do qual trataremos neste post. Continue a leitura!
O que são os pensamentos disfuncionais?
Inicialmente, é fundamental entender o que são, de fato, os pensamentos disfuncionais. Nesse sentido, é interessante considerar que, no dia a dia, as pessoas normalmente tendem a “alimentar” — mesmo que de modo inconsciente — pensamentos que estão estreitamente associados a uma percepção bastante distorcida da realidade e que, em geral, desencadeiam condutas negativas, tanto consigo mesmas quanto com os seus pares. Trata-se justamente do que conhecemos na Psicologia como “pensamentos disfuncionais”.
Intrusivos e “automáticos”, esses pensamentos, em boa parte dos casos, provocam um grande mal-estar e, a depender de quão intensos são, passam a ser considerados “verdades absolutas” pelos pacientes. Isso, por sua vez, gera um cenário extremamente fértil para o desenvolvimento de quadros clínicos mais graves, como o transtorno de ansiedade e a depressão.
Resumidamente, esses pensamentos correspondem a ideias que vêm à mente sem que exista qualquer tipo de reflexão prévia que leve a uma conclusão embasada pela lógica. Também chamados de crenças disfuncionais — e até distorções cognitivas —, eles atuam de modo sorrateiro, inicialmente se fazendo presentes em situações pontuais, quando o indivíduo deixa a sua zona de conforto.
No entanto, com o passar do tempo, a tendência é de que essas crenças aumentem, criando um ambiente favorável para que outras se desenvolvam. No livro The Feeling Good Handbook, do psiquiatra David D. Burns, uma lista elaborada a partir do mapeamento dos pensamentos disfuncionais mais comuns em todo o mundo inclui os seguintes:
- rotulação — o paciente acaba rotulando a si mesmo e a outras pessoas de maneira negativa, normalmente após uma ocasião isolada. Em casos assim, basta uma situação simples para que o indivíduo vincule um adjetivo negativo ao outro ou a si mesmo;
- declarações ligadas a uma ideia do que “deveria” ser/acontecer — a pessoa cria uma espécie de idealização acerca do modo como uma situação específica “deveria” se desenrolar, de maneira que se apresentasse o cenário ideal para ela. Nesses casos, quando as coisas “fogem” do desejado, o sofrimento e a angústia dominam o paciente;
- raciocínio emocional — é um tipo de pensamento disfuncional muito ligado à avaliação dos próprios sentimentos e das suas emoções, como se fossem, na realidade, fatos concretos. Ou seja, o paciente enxerga a sua forma de perceber o mundo como uma verdade absoluta, incontestável;
- catastrofização — o paciente tende a reduzir ou a aumentar a relevância, o significado real ou até a probabilidade de ocorrência de determinadas situações, acreditando fielmente até naquilo que desafia a própria lógica;
- adivinhação — indivíduos que apresentam esse tipo de pensamento disfuncional, em geral, acreditam que são capazes de prever o futuro e, a partir disso, criam uma variedade de hipóteses e cenários que destoam de uma lógica provável;
- leitura mental — o paciente crê que tem a capacidade de “adivinhar” o que as pessoas estão pensando, o que, via de regra, leva-o a conclusões precipitadas;
- desqualificação daquilo que é positivo — em casos assim, o paciente tende a atribuir qualquer evento positivo que tenha vivenciado a uma obra do acaso ou, por exemplo, a uma coincidência;
- filtro mental — o paciente apresenta uma tendência a focar os seus deslizes ou os seus aspectos negativos das situações vividas, não importa o quão pequenos sejam, pois são os únicos elementos que o indivíduo consegue apreender;
- supergeneralização — nesse caso, a pessoa normalmente tem um hábito disfuncional de perceber uma situação isolada como uma verdade estabelecida, de modo que, ao vivenciar uma experiência negativa, já se recusa a fazer novas tentativas que poderiam levar a outros resultados;
- pensamento de “tudo ou nada” — são as crenças extremas, que acometem os pacientes que simplesmente não conseguem enxergar que existe o meio-termo. É o popular “8 ou 80”.
Como o registro de pensamentos disfuncionais pode ser um grande aliado?
O registro de pensamentos disfuncionais é um dos exercícios que a terapia cognitivo-comportamental trabalha para que o profissional consiga ajudar o paciente a ter um controle maior sobre os seus sentimentos que provêm dos pensamentos que permeiam a mente ao longo do dia. Dessa forma, o indivíduo consegue ter mais facilidade para contestar os pensamentos automáticos negativos, para resolver os próprios conflitos e, consequentemente, para mudar os comportamentos improdutivos.
Assim, a proposta do registro é a elaboração de uma espécie de diário que auxiliará o indivíduo a ter mais consciência acerca das conexões que se estabelecem entre as posturas e as condutas adotadas, os pensamentos intrusivos que aparecem no dia a dia e as emoções sentidas. Partindo dessa reflexão, o paciente, aos poucos, poderá descobrir as diversas respostas possíveis por trás de cada um dos fatos, passando a ter condições de alcançar uma “visão panorâmica”, do todo, buscando, então, possibilidades novas.
Qual é a sua importância?
A terapia cognitivo-comportamental assume que os pensamentos disfuncionais se originam dos mais variados quadros de ordem mental. Sendo assim, é indispensável que o paciente consiga identificar os padrões dessas crenças distorcidas que são capazes de “borrar” a realidade à sua volta a partir de uma percepção extremamente pessimista — e esse processo pode ser mais bem conduzido com o auxílio de um psicólogo.
A sua grande relevância reside, como dito, na conscientização dos pacientes, que, por meio do registro dos pensamentos disfuncionais, seja por meio de imagens, seja de modo verbal, identificam os sentimentos que os provocaram, passando a questioná-los. Os questionamentos levantados, por sua vez, ajudam-nos a transformar os pensamentos negativos iniciais em outros, que são mais favoráveis e que nos guiam, inclusive, a ter condutas mais apropriadas às situações.
Quando esses pacientes finalmente conseguem modificar os pensamentos automáticos disfuncionais, a intensidade dos sentimentos negativos diminui, gerando menos prejuízos ou — o que é ainda melhor — provocando comportamentos adaptativos e emoções positivas.
Como orientar um paciente quanto ao preenchimento do registro de pensamentos disfuncionais?
O registro de pensamentos disfuncionais, em geral, é uma ferramenta relativamente simples, mas, ainda assim, demanda prática. Então, é natural que, em um primeiro momento, o paciente enfrente alguns desafios, por exemplo, no momento de distinguir os sentimentos e os pensamentos e, inclusive, de encontrar as melhores palavras para expressá-los, a fim de preencher as colunas adequadamente.
Nesse cenário, é fundamental que você o estimule a persistir. Explique que o preenchimento do registro em intervalos muitos espaçados (ou uma única vez) não é suficiente e que é necessário que ele se proponha a mantê-lo por, pelo menos, uma semana.
Além disso, ainda que essa ferramenta tenha enfoque em situações desconfortáveis e/ou estressantes, indique para o seu paciente o quão importante é também estar disposto a ir além, buscando lidar com uma análise mais aprofundada dessas ocasiões. Portanto, oriente-o a fazer isso, mesmo que, inicialmente, cause irritabilidade, tristeza ou chateação. Esclareça que, quanto mais ele insistir nesses exercícios, menos intensos esses sentimentos se tornarão.
Também destaque a essencialidade de ser honesto durante o registro de pensamentos disfuncionais, mas sem ter a preocupação de ser perfeccionista. A caligrafia e a ortografia, por exemplo, não devem ser prioridades nesse caso, já que não é preciso ter um vocabulário impecável para se expressar bem. O que é realmente imprescindível é se empenhar em reconhecer no registro os tipos de pensamentos disfuncionais que ele tem acerca de si mesmo, do futuro e de terceiros.
O passo a passo
Nesta seção, vamos elencar uma série de passos que você poderá repassar aos seus pacientes, de modo que, ao perceberem variações no seu humor ou um eventual mal-estar, eles poderão recorrer ao registro de pensamentos disfuncionais:
- desenhar — ou, se preferir, fazer o download de um modelo de registro — uma tabela;
- anotar o dia em que determinada situação ocorreu na primeira coluna;
- descrever de que forma essa situação específica gerou desconforto, inserindo algumas informações-chave, como o local onde estava, em qual momento se deu o ocorrido, quais eram as pessoas presentes na ocasião, o que o paciente estava fazendo, sobre o que estavam falando etc. na segunda coluna;
- especificar — de maneira tão detalhada quanto possível —, na terceira coluna, os sentimentos, as emoções e as sensações (medo, raiva, falta de ar, irritação, tristeza, suor repentino, taquicardia etc.) que o acometeram e avaliar a sua intensidade, observando uma escala que vai de 0 a 100;
- listar, na quarta coluna, os pensamentos que “invadiram” a mente na ocasião, explicando a maneira como surgiram. Afinal, eles estão estreitamente associados às crenças e às percepções que as pessoas têm perante uma situação. Também é fundamental indicar o “nível de convicção” relativo a cada pensamento, novamente segundo uma escala que vai de 0 a 100;
- refletir e anotar, na quinta coluna, algumas respostas alternativas para os pensamentos que foram registrados na tabela — na coluna anterior. Em seguida, é necessário fazer uma análise tão racional quanto possível das respostas, levando em consideração, por exemplo, quais são as provas que trazem veracidade aos pensamentos que ocorreram, quais eram as outras possibilidades de compreender a situação de forma geral, qual era a pior consequência que poderia acontecer, quais eram as melhores (ou menos piores) consequências que poderiam resultar da mesma situação, qual seria o efeito obtido se houvesse uma mudança de pensamento, o que se diria a um amigo que estivesse vivenciando a mesma experiência etc. Após, é válido assinar (de 0 a 100) o quanto realmente se acredita em cada uma das respostas anotadas;
- reavaliar, já na sexta coluna, o nível de convicção que se tem acerca de cada pensamento descrito na quarta coluna. Nesse contexto, é importante pensar o quanto se acredita em cada um deles agora (após o exercício), reavaliar a intensidade de cada uma das emoções, pensar no que se está sentindo ao final do registro e em qual intensidade, em uma escala que vai de 0 a 100. Em seguida, vale a pena pensar e escrever o que poderia ser feito diante de cada uma das situações, depois de considerar as novas interpretações e possibilidades.
Uma ação que não deve ser negligenciada por você, profissional, é a enfatização do propósito dessa ferramenta utilizada na TCC. Explique ao seu paciente que muitos pensamentos automáticos são não somente úteis, mas até essenciais para a sobrevivência humana, especialmente em situações nas quais é preciso que tenhamos um raciocínio rápido. Nesse exercício, o foco está nos pensamentos automáticos disfuncionais, que são os que geram malefícios, prejudicando a qualidade de vida.
Como vimos, o registro de pensamentos disfuncionais — especialmente se desenvolvido sob a orientação de um psicólogo, combinado com a terapia cognitivo-comportamental — pode ajudar os pacientes a se sentirem capazes de enfrentar as situações do dia a dia de uma maneira diferente, a partir do desenvolvimento de habilidades que podem modificar comportamentos e crenças negativas. Por sua vez, essa reestruturação cognitiva (e, é claro, comportamental) conduz os indivíduos a uma significativa melhora do funcionamento pessoal.
Este post foi útil? Você tem cogitado se especializar em terapia cognitivo-comportamental e dominar as suas principais técnicas para atingir melhores resultados nos tratamentos que conduz lado a lado com os pacientes? Então, entre em contato com o Cognitivo, conheça os nossos cursos e alavanque a sua carreira!
Material mto bom TCC com base na neurocudncua.